Certos tipos de pisos podem favorecer o surgimento de
lesões. É o que mostra um estudo do Laboratório da Biomecânica do Movimento e
da Postura Humana da Faculdade de Medicina da USP.
Cientificamente não existe um consenso sobre a real influência
dos pisos no surgimento de lesões. Alguns estudiosos acreditam que não há
diferença entre eles. Outros, afirmam que as variações existem e devem ser
consideradas para a prevenção das lesões. "A questão ainda é controversa
no meio científico, principalmente com relação à metodologia utilizada em cada
caso. Existem trabalhos que apontam a capacidade do organismo em se adaptar à
nova superfície já no primeiro passo. Desta forma, portanto, os pisos não
seriam causadores de lesões. Outras pesquisas demonstram diferenças entre as
superfícies, principalmente nas variáveis de força e pressão. As diferenças são
pequenas, mas a comutatividade desta diferença é que pode ou não gerar o
problema, associado a outros fatores", explica Vitor Tessutti, bacharel em
esporte e integrante do Laboratório da Biomecânica do Movimento e da Postura
Humana do Departamento de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP. Ele,
inclusive, coordena um estudo que está comparando a corrida no asfalto, grama,
concreto e borracha (pista de atletismo).
Os testes foram realizados com "corredores
recreacionais", ou seja, aqueles que praticam o esporte com o objetivo de
manter o bem-estar e a qualidade de vida, não como meio de sobrevivência.
"O objetivo é identificar como os pisos podem influenciar na corrida,
principalmente na questão das sobrecargas a que os pés são submetidos",
conta Tessutti.
Segundo ele, basicamente o que vai diferenciar um piso de outro
é a sua complacência (o contrário de rigidez) e a sua estabilidade. Tanto uma como
outra característica podem ser favoráveis ou não a determinadas situações.
O especialista da USP teve um trabalho recentemente aprovado em
um periódico de medicina esportiva da Austrália comparando a grama e o asfalto.
"Encontramos diferenças consideráveis com relação à pressão que os pés
fazem ao correr nestes pisos, principalmente na região externa do calcanhar. O
piso mais rígido acabou provocando uma maior sobrecarga no calcanhar."
DESCOBERTAS DE IMPACTO. Impacto é a força que
o solo "devolve" no momento de contato do pé com o solo. A cada toque
do calcanhar no piso, parte desta força é recebida pelo corpo chegando até a
cabeça, como uma onda. Quanto maior esta força, maior a necessidade do
organismo em tentar absorvê-la, principalmente através da musculatura. A
primeira estrutura corporal que recebe a maior parte deste golpe é o pé.
O impacto pode ser passivo (também chamado de primeiro pico da
força de reação do solo) e ativo (segundo pico). O primeiro representa a força
de reação que o organismo recebe passivamente, pois sua ação ocorre no momento
de contato com o solo - até os primeiros 30 milissegundos de cada passo.
"Neste curtíssimo espaço, não existe tempo hábil para os músculos serem
acionados para tentar diminuir a magnitude desta força. Desta forma, o impacto
atinge todos os tecidos (ósseo, ligamentos, tendíneo, muscular etc.). Como não
têm proteção, estes tecidos estão expostos a esta força", diz o professor
Vitor Tessutti. O segundo pico corresponde à mesma força, em um momento onde
ocorre a propulsão. Esta é a fase onde os pés dos corredores passam a maior
parte do tempo de sua interação com o solo. "Este é menos lesivo",
completa o especialista.
No caso do impacto passivo, o que pode ajudar a diminuir o
impacto é a escolha de um piso que não provoque uma força de reação elevada,
mas a melhor opção é a utilização de um bom tênis, que poderá auxiliar na
atenuação desta força, principalmente na velocidade em que ela ocorre. O grande
papel do tênis é exatamente diminuir a velocidade de ocorrência do primeiro
pico.
UM PISO PARA CADA OBJETIVO. É natural imaginar
que quanto mais rígida for uma superfície, maior a tendência de causar lesões,
principalmente se os treinos nesse piso forem freqüentes. "Aqui a 3ª Lei
de Newton é a base para o entendimento. Ou seja, toda ação que for feita no
piso será devolvida na mesma magnitude. No caso da corrida, se fossem dois
corpos rígidos - a perna e o solo - a complicação para o organismo seria bem
maior. Como temos o calçado, cujo material permite certa complacência, e a
seqüência de articulações do pé, tornozelo, joelho e quadril, que realizam um
restrito movimento após o contato do pé com o solo, esta magnitude não é a
mesma. Mas no caso de uma superfície rígida, parte do sistema não cede ao
toque. Assim, quanto mais rígida uma superfície, maior a força de reação do
solo, portanto, maior a necessidade de amortecimento por parte do
organismo", analisa Vitor Tessutti. Daí que se o organismo não for capaz
de amortecer o impacto, maior a sobrecarga que as articulações terão que
suportar - e maior as chances de problemas.
Qual seria, então, o melhor piso para treinar? Na verdade,
segundo os especialistas, para cada objetivo se tem o mais adequado. Se a
idéia, por exemplo, for melhorar o tempo, buscando desempenho, a melhor opção
seria um piso mais estável e com uma maior rigidez, como asfalto ou concreto.
Para um treino recuperativo, seria interessante um piso mais complacente, como
a grama, principalmente para preservar estruturas articulares após uma prova ou
treino muito intenso. Caso o corredor pretenda desenvolver a força, uma boa
possibilidade é a utilização da areia fofa. "Mas vale lembrar que na areia
fofa o principal problema é a exigência muscular que ela gera em grandes
distâncias", diz Vitor Tessutti.
OS PRÓS E CONTRAS DE CADA
PISO
Grama: Piso de característica macia, sua
altura influencia o gasto energético e também o consumo de oxigênio (quanto
mais alta, maior o consumo). Sua composição permite que ao pisar, o espaço
entre as folhas e a terra sobre a qual está plantada seja um atenuador do
impacto, além das próprias folhas que promovem o amortecimento. Sua desvantagem
é a grande chance de existência de buracos, degraus em função das raízes das
árvores, que podem causar lesões por traumas, principalmente a torção de
tornozelo, e quedas.
Pista de atletismo: Composto por camadas de
borracha que permitem certo amortecimento sem comprometer a propulsão. Piso
seguro também em função de sua regularidade na superfície, diminuindo bastante
as chances de algum trauma.
Esteira: Quando de boa qualidade possui um
deck de madeira com apoios laterais, o que permite que essa estrutura ceda a
cada passo, muito mais que qualquer piso, favorecendo o bom amortecimento. As
mais modernas aliam apoios de borracha ao deck de madeira, que aumentam a resistência
do conjunto.
Cascalho (ou pedrisco): Permite uma grande
dissipação do impacto em função das pedras não estarem fundidas como ocorre no
concreto. Os movimentos das pedras ao serem pisadas fazem com que a força de
reação de cada passo seja dissipada. A contrapartida é verdadeira no momento da
propulsão, pois ao realizar o apoio nesta fase da pisada, parte desta força se
dissipa pelo mesmo motivo anterior.
Areia: Quando fofa tem uma grande capacidade
de absorção, mas ao mesmo tempo uma exigência muito grande no momento da
propulsão. Deve ser utilizada quando se tem como objetivo o desenvolvimento da
capacidade de força na corrida. Como amortece muito, o piso não devolve a força
na mesma magnitude. E em função disto, na fase de propulsão, o corredor tem que
compensar a falta de retorno da força, efetuando-a diretamente no piso, a cada
passo - caso não o faça, fica impossível dar continuidade à corrida.
Terra batida: Piso de rigidez intermediária
que também tem o risco da instabilidade em função da irregularidade da
superfície.
Asfalto: Superfície mais utilizada para a
corrida, de característica dura. A composição de várias camadas em sua
construção permite certo "amortecimento" comparado ao concreto. O
principal cuidado que se deve ter é não realizar a corrida próxima ao meio-fio,
que pode sobrecarregar as estruturas ligamentares dos tornozelos e joelhos,
principalmente do membro que está mais perto da calçada, em função da
inclinação, para escoamento das águas.
Concreto: O mais rígido dos pisos pode
apresentar rigidez 300 vezes maior em comparação com um piso de borracha, por
exemplo. Não é dos mais indicados para a corrida, principalmente as longas.
O ESTUDO DA USP
O sistema utilizado pelo Laboratório da Biomecânica do Movimento
e da Postura Humana da USP é chamado Pedar (e é da marca Novel). "Ele
utiliza palmilhas (com sensores capacitivos) como meio de medição, e por este
motivo é um aparelho que permite uma similaridade muito grande com a corrida
que fazemos na rua", explica Vitor Tessutti.
Além disso, por ter uma tecnologia que proporciona a
transmissão dos dados via radiofreqüência, promove maior liberdade de
movimentos. Por este motivo também, permitiu que os pesquisadores efetuassem o
estudo em ambiente de treino, não havendo necessidade de montar pisos
diferenciados no laboratório. "Basicamente ele mede a pressão que o pé faz
nestas palmilhas. Como elas são colocadas entre o pé e o calçado, medem a
sobrecarga a que o pé é submetido. Apresentam ainda outras informações como a
área que o pé utilizou em seu apoio, a forma como o passo está sendo realizado,
pois podemos captar informações a cada 10 milissegundos, o tempo que o pé
manteve-se em contato com o solo e outras variáveis relacionadas à pressão e a
força", completa.
Material retirado do estudo do Laboratório da Biomecânica do Movimento e da Postura Humana da Faculdade de Medicina da USP, por Vitor Tessutti.
Material retirado do estudo do Laboratório da Biomecânica do Movimento e da Postura Humana da Faculdade de Medicina da USP, por Vitor Tessutti.